domingo, 11 de abril de 2010

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Texto publicado originalmente em http://zangareio.zip.net/ - dia 16/06/2009 por Flávio de Araújo.


A extinção do Pirão

Condomínio Laranjeiras cerceia o direito de ir e vir de Zeca da Farinha.

Começa assim: Zeca da Farinha, morador da Praia do Sono, precisa trocar o sapê velho de sua casa por telhas, pois é março e a chuva grossa molhará seu eito de farinha armazenado no cesto de bambu se assim não o fizer, portanto segue para a casa de materiais de construção na cidade.

Chegando lá compra telhas, pregos e ripas, pagando com seu dinheiro suado conquistado com a pesca no cerco. Mas é advertido pelo gerente da casa de materiais para que ele pegue a autorização de entrada do caminhão com seus materiais no Condomínio Laranjeiras, para que assim possam descarregar no minúsculo cais suas telhas e ripas, onde Antônio, filho mais velho de Zeca, espera com uma lancha para levar até a praia. Zeca da Farinha corre dali, corre daqui, é mandado pra lá e pra cá até que consegue a tal autorização. Mas surpresa, chegando ao portão de entrada do Condomínio Laranjeiras o caminhão é barrado pelos guardas, impedindo que os materiais do caiçara Zeca da Farinha cheguem até o píer sob alegações misteriosas.


É assim, temos visto, e não é de hoje, que o Condomínio Laranjeiras outorga sobre si a estrela dourada de xerife no município de Paraty. Guardiã de não sei quê, arroga também o direito de intervir socando no pilão da ilegitimidade os direitos supra-estatais, enquanto gargalha ao limpar o rabo com a Constituição Federal.

A última dose aconteceu no dia 10 de junho quando moradores da Ponta Negra, Praia do Sono e moradores da Vila Oratória de Laranjeiras, entre entidades e personas gratas da causa se reuniram ao portão do Condomínio para um protesto pacífico e legítimo a favor do livre acesso de moradores das comunidades próximas que reivindicam o direito de ir e vir assegurado pela lei régia brasileira.

A questão é que o Condomínio Laranjeiras está pouco se lixando para quem grita por seus direitos. Como um rolo compressor estimado em 15% do PIB do país tenta achatar qualquer atitude contrária aos seus interesses, portanto ora sutilmente, ora vergonhosamente mina os direitos das comunidades tradicionais que por século usam a via marítima como acesso, pois como todo mundo sabe Praia do Sono e Ponta Negra não possuem estradas, mantendo assim uma relação intimista com o mar para promoção de seu sustento e locomoção; muito diferente da relação dos condôminos do citado Condomínio, e de tantos outros, como o da Praia da Caçandoca, por exemplo, que só molham os pés no mar uma, duas vezes ao ano, no máximo.

Há pelo menos dois pensamentos errados gritantes sobre a questão caiçara: O primeiro é que o caiçara é o agressor do meio ambiente, dilapidando os recursos naturais, um tipo de Influenza A (H1N1) que deve ser expulsa da natureza.

O segundo pensamento maquiavélico aspira que o caiçara viva num eterno presépio: casa de estuque caindo aos pedaços, filhos catarrentos com a barriga gorda de lombrigas, um pai mascando fumo sob o olhar terno da esposa, grávida da décima quarta criança.

Ora minha gente, pelo amor do Cristo de Deus! O caiçara é antes de tudo a extensão do meio em que vive, vivendo harmoniosamente geração após geração. Um defensor perpétuo da natureza, pois é o primeiro a saber que, por exemplo, cortando uma árvore inconsequentemente, está destruindo a concepção de uma canoa que usará por décadas.

A população caiçara é o berço do Brasil, foi por essas bandas que foi mestiçamente engendrada a invenção do brasileiro: portugueses, africanos e índios do litoral, que deram origem ao que eu sou e ao que você é.

É fácil ver a questão de degradação ambiental entre as partes (ver fotos),

Condomínio Laranjeiras (início da construção das mansões)

Praia do Sono (foto atual)

basta ver a área de construção na Praia do Sono por exemplo, e comparar com a área construída do Condomínio Laranjeiras. O resultado é berrante, e para espanto geral da nação é necessário dizer que o Condomínio Laranjeiras não tem nem cinquenta anos!

É claro que o morador de um condomínio paga muito caro para ter sossego e segurança e isso deve ser respeitado por ser justo (diga-se muito justo sob a égide de um sistema capitalista onde a distribuição de riquezas está maldosamente distribuída: 5% da pirâmide social detêm 80% de toda riqueza da nação). O injusto é por essa causa transformar essas comunidades num Tibete ou numa Palestina.

Será necessário o surgimento do profeta Moisés com seu cajado para abrir o Mar Vermelho de ferrolhos, grades e guardas para que o povo saia do Egito social que se encontram?

Não. Paraty tem lei e ordem. Tem poderes constituídos como o legislativo e judiciário. Tem opinião pública, ainda que acanhada e, acima de tudo, um povo forte que está despertando para reivindicar seus direitos.


O caiçara é um cidadão como qualquer outro. Ele tem o direito de melhorar suas condições de moradia, de ter energia elétrica, de ter acesso à educação, saúde, saneamento básico. Ele tem o direito inalienável a todo complemento para obtenção de sua dignidade social, isso inclui o sagrado direito de ir e vir sem ter que ser barrado por quem chegou agora e já quer sentar no colo do motorista desse ônibus que se chama sociedade.

O que estão fazendo com os caiçaras há muito tempo é crime, passivo do extremo exercício da lei e vingança. Sim, vingança. Pois a justiça é a vingança dos justos.


Azul Marinho - pirão de peixe a base de farinha de mandioca

Observação: Pelo fato de Zeca não ter podido trocar o sapê velho por telhas de barro, perdendo toda a sua produção de farinha com as mil goteiras no seu barraco, hoje ninguém comeu azul marinho na cidade.


Flávio de Araújo

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Carta do Moradores do Pouso da Cajaíba pela educação.

foto: Bruno Carvalho

CARTA DO POVO CAIÇARA DA CAJAÍBA

PEDIMOS SUA AJUDA, PARA CONSTRUIR UMA ESCOLA PARA NOSSAS CRIANÇAS

Os Vilarejos da Cajaíba são Comunidades Tradicionais Caiçaras de muitas gerações. Nosso Povo vive na Costeira do município de Paraty desde o tempo dos Nativos. Neste mesmo lugar, nasceram e criaram os avós dos nossos avós, que eram os índios. E nós também criamos nossos filhos entre a floresta e as cachoeiras, entre as praias e as montanhas, entre o céu e o mar. O mar que ainda nos alimenta, ou do peixe que dá, ou guiando nossos barquinhos a cidade.

Pouso da Cajaíba, Praia Grande da Cajaíba, Calhaus, Ponta da Juatinga, Saco Claro, Saco da Sardinha, Ponta da Rombuda, Martin de Sá, Saco das Anchovas, Cairuçu das Pedras, são nossas Comunidades, que não tem luz, não tem estrada. Falta até Educação. Mas nosso Povo tem uma história para contar. E um sonho tão bonito quanto nossa Natureza.

Antigamente, agente vivia da pesca e da roça. Vivíamos na nossa tradição de respeito e humildade. A Terra dava fartura, e a palavra era Lei. A Terra era de todos. Quem precisasse, construía sua casa, plantava seu alimento, mas ninguém vendia Terra, pois ela não tinha dono. O conhecimento era aprendido no dia a dia do trabalho. O pai mostrava para o filho: “esse é o pé de Ingá Flexa, bom para fazer canoa.” O povo tinha muita saúde, as pessoas viviam 100 anos, só com remédio da mata, e a sabedoria das plantas passadas de avó para neta.

Hoje tudo está mudando e se perdendo no esquecimento. A roça acabou. As atividades tradicionais de plantar mandioca e fazer farinha, só alguns dos mais antigos fazem ainda. A pesca esta acabando. Por causa da pesca predatória dos grandes barcos de fora, o peixe mal dá para comer. O peixe foi trocado pelo miojo, e a banana pelo biscoito. Hoje tudo vem das embalagens do mercado da cidade.

Hoje em dia é muito difícil arrumar trabalho. Não tem um jovem que sabe o que ele quer ser amanha. Antes, agente sabia. Queria se pescador, dava pra ter qualidade de vida. Hoje a pesca não dá futuro. Os jovens não tem mais certeza para saber “amanha, quero ser isso!”. Muitos vão para a cidade atrás de emprego, condições melhores, estudo. Vivemos procurando um meio de sobrevivência, e nos sustentamos com um turismo desordenado de fim de ano.

Muito caiçara já vendeu sua casa, sua terra para gente de fora. Foram embora, buscando algo melhor em Paraty. A cidade é a única opção para os pais que querem que seus filhos completem os estudos, e não passem pelas mesmas dificuldades. Mas lá, só conseguem o básico para sobreviver. Estão lá por necessidade. A criança, que morava na beira da praia, se muda para a periferia de Paraty, morando em condições precárias. A liberdade da brincadeira da roça é trocada pela poluição e violência do dia a dia da favela. Os pais, sufocados pela cidade, pelo aluguel, por contas que antes não existiam.

Nós precisamos capacitar nossos jovens que estão sem ter o que fazer. Mas o estudo aqui só vai até a quarta série. A maioria que fez, só sabe ler e escrever, e muito mal, só o básico. Estamos numa situação desconfortável. E temos pouco apoio de fora. Nem mesmo o supletivo chega aqui.

Somos uma Grande Família. Nós temos uma Grande Tradição. Somos um Povo Caiçara Nativo, Verdadeiro. Temos o conhecimento do Lugar. Conhecimento sobre a pesca, sobre nosso mar. Os saberes da mata nativa, a floresta que existe até hoje porque foi preservada pelos nossos povos. Temos o conhecimento dos costumes de nosso povo caiçara.

E este conhecimento está se acabando. Hoje em dia não tem um menino que sabe a história desse lugar como os avós foram criados. Chega para um menino da praia e pergunta o que é um azul marinho, ele não sabe.

A nossa família, está se partindo. O povo de fora, que compra as terras, trouxe os muros das cidades. Suas casas ficam o ano todo vazia, mas são cercadas, para ninguém entrar. Mas eles entram nos nossos quintais que são abertos. Dizem que a terra do baixo ate o morro é deles. Na Praia Grande, de 23 famílias, hoje só tem duas, o grileiro expulsou todo mundo, até a escolinha fechou. Casa Caiçara não tem muro não. Para nós, o que vale é a palavra. Mas junto do turismo, veio a separação, a luta pela terra, a briga por um trocadinho a mais que o parente. E muitas vezes, esse trocado é gasto tudo em álcool e fumo, ou coisa pior. Hoje vemos os nossos vilarejos tomados pelas drogas.

Mas ainda estamos lutando pelo Futuro de Nossas Crianças!

Precisamos formar pessoas aqui com os valores de antigamente. Com capacitação para viver em igualdade, dentro e fora da comunidade. Aprender a distribuir melhor a renda do lugar, gerar emprego aqui dentro, se dedicar um pelo outro, e ter melhores condições sociais.

Por isso convidamos você a ajudar agente a construir nosso sonho. Realizar com nossas mãos. Vamos construir uma Escola para resgatar a Cultura Caiçara. Trazer Qualidade de Vida para Nosso Povo.

Hoje, é cada um por si, e a Escola vai ajudar a resgatar a tradição de um ajudar o outro. Não se envolvendo com drogas e violência, os jovens vão cuidar mais da Família e da Comunidade.

Vamos construir uma Escola para o Povo daqui ter de onde tirar o próprio sustento, com igualdade. Uma Escola onde se aprende as tradições caiçaras, fazer canoa, remendar rede, contar nossos causos, igual agente fazia quando era criança, mas agora nas aulas de português e matemática. Onde tem o conhecimento do nosso lugar e o de fora, para agente saber se virar na cidade, no mundo, mas principalmente na nossa comunidade.

Queremos uma Escola onde a merenda é feita com alimentos da Comunidade. Criadas pelo trabalho em grupo dos alunos. Nas aulas de historia, plantar mandioca. Nas aulas de biologia, plantar frutas. Os jovens e crianças enquanto estão aprendendo educação, valores humanos, estão tirando seu próprio sustento, seu alimento. E estão trabalhando juntos pela Comunidade.

Essa é a Educação que queremos para o nosso Povo Caiçara da Cajaíba. O Futuro das crianças que estão crescendo, voltando as tradições antigas, e aprendendo as coisas boas dos dias de hoje, como a agroecologia, e a permacultura. Queremos Construir Nossa Melhor História.

Nossas Comunidades juntas têm mais ou menos 150 famílias, uns 400 moradores.

Hoje temos uma lista com 52 nomes, dos mais de 80 jovens e crianças que há muitos anos esperam a 5ª série para continuar seus estudos. E a cada ano mais crianças entram na lista, ou vão embora para Paraty.

A associação de moradores da comunidade do Pouso da cajaíba, juntos com amigos, está montando o projeto de uma Escola Caiçara Ecológica. Uma Escola Pólo Comunitária de 5ª a 8ª série. Por que estamos cansados de esperar!

Pedimos a sua ajuda para realizar nosso Sonho. Essa ajuda pode ser como você puder contribuir, seja através de serviços, doações de materiais, recursos financeiros, ou até mesmo com orações.

Estamos profundamente agradecidos.

Como retribuição, convidamos você para conhecer nossas Comunidades, nossas praias, nosso Paraíso.

FALE CONOSCO:

Francisco Xavier Sobrinho (Presidente da Associação de Moradores do Pouso da Cajaíba): (24) 99011073

Ana Paula (moradora do Pouso da Cajaíba) (24) 98381522

Orelhão do pouso da cajaíba: (24) 33621810 / 33621809

E-mail: pousodacajaiba@gmail.com

Endereço: Pouso da Cajaíba, 2º distrito de Paraty, Paraty, RJ, Brasil.